PLANTAR A SEMENTE FUNCIONA: UM EXEMPLO DE SOLIDARIEDADE EM GOSTOSO
Escutei certa vez que viajar é revestir a alma. A verdade é que nem toda roupa nova é bonita. Se por um lado viajando nos expandimos porque nos misturamos cada vez mais com a natureza; por outro morremos aos poucos ao testemunhar a destruição generalizada que causamos como raça à casa comum e uns aos outros.
A pobreza e destruição da vida que vimos até agora nos removeu dos olhos a fina película que nos permite fingir que não há nada de errado, e que tudo está bem, desde que em nossas micro-vidas tudo siga bem. Retirar esta película contudo, dói, e esta “dor de ver” deixa o caminho turvo. Nos sentimos muito pequenos para fazer qualquer diferença.
Como um milagre, foi justamente neste momento que chegamos a São Miguel do Gostoso e fomos presenteados com lições de amor ao próximo e cidadania. O que aprendemos em Gostoso encheu nossos corações de esperança e nos apontou um caminho: é preciso transformar esta dor em ação e criar/aumentar a rede de solidariedade. Pequenas ações fazem diferença e plantar sementes vale a pena.
Em Gostoso conhecemos uma rede de trabalho eco/sócio/cultural que sedimentaram as bases para uma juventude consciente e cidadã. Conversando com jovens adultos entre 20 e 30 anos, descobrimos um pouco da história da cidade e dos projetos que fizeram dos jovens gostosenses orgulhosos de sua cultura e socialmente ativos. Fomos inspirados por seus ideais e esperamos ter energias para criar iniciativas semelhantes as vivenciadas e replicadas por eles.
Anne Raboud é uma enfermeira suíça que vive na cidade há mais de vinte anos. Hoje ela vive parte do ano no Brasil e outra na Suíça. Não tivemos a oportunidade de conhecê-la, porém escutamos falar muito no trabalho desenvolvido por ela. Soubemos de sua história por Luzia, uma jovem pedagoga gostosense de 23 anos que hoje trabalha diretamente com Anne.
Luzia nos contou que quando chegou a cidade, Anne se juntou a comunidade para introduzir o manejo do lixo e promover práticas esportivas. Com recursos arrecadados na Europa, ela promovia ações de limpeza urbana, como multirões para limpar a praia, criação de fossas sépticas e a coleta coletiva do lixo. Estes recursos também eram aplicados para apoiar os times de futebol locais em troca de mãos para fazer a limpeza da cidade. De fato, se comparada a outras cidades que fomos no Nordeste, Gostoso é mais limpa e melhor cuidada.
Além do cuidado com o lixo, percebemos em Gostoso uma preocupação com o resgate da cultura popular local. E em Gostoso, quando o assunto é cultura, sempre aparece o nome de Neném de Lala. A cidade lhe rendeu o título de Ministra da Cultura porque ela teve um importante papel no resgate da tradição do Boi de Reis, uma dança folclórica que era praticada localmente. Ela ajudou a restaurar o grupo local do Boi de Reis e a passar esta tradição para as novas gerações. O grupo existe até hoje e continua animando a população.
Perguntamos a Ari, estudante de informática, e secretário executivo do Espaço TEAR, se ele achava que programas sociais concentrados em cultura e esporte eram eficientes. Ele não hesitou em dar-nos uma lição:
A cultura e o esporte são alternativas a droga e ao álcool para crianças e adolescentes. Ambos são importantes instrumentos para a promoção da cidadania, por que além de educar, são atividade que interessam aos jovens.
Através de Tiquinho conhecemos uma terceira geração de projetos. Os jovens que outrora aproveitaram as oportunidades oferecidas para formação de cidadãos pela comunidade gostosense e o governo federal (em especial o programa Agente Jovem), hoje estão criando suas próprias iniciativas multiplicadoras. Tiquinho, juntamente com um grupo de outros jovens adultos criou a Associação de Meio Ambiente, Cultura e Justiça Social (AMJUS).
AMJUS promove pesquisas e atividades sócio-educativas no município. Em outubro do ano passado realizaram uma conferência que reuniu mais de 130 adolescentes e tratou de temas como saúde sexual, drogas, entre outros. Atualmente desenvolvem pesquisa com 500 adolescentes para traçar o perfil dos adolescentes de Gostoso e trabalham com os antigos moradores para resgatar e registrar outros aspectos da cultura popular do município não trabalhados pelo Espaço TEAR.
Depois de passar alguns dias em Gostoso, tivemos a sensação de que quanto mais cavássemos, mais iniciativas como estas encontraríamos. Pelo menos entre os jovens adultos que conhecemos em Gostoso, a regra era a cooperação para a promoção de melhoria das condições de vida de toda a população da cidade. Eles apreenderam com a recente conquista da independência da cidade que qualquer sonho é possível. Se esforçam para se educarem nas faculdades da região e hoje vêem como natural dar seguimento aos projetos que lhes ampliaram os horizontes de modo a multiplicá-los para o bem comum da comunidade. Não nos restou dúvidas, plantar sementes além de ser “gostoso”, vale a pena!
TEXTO COPIADO DO SITE: http://almeidadohrn.com/lang/pt/
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